quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As Memórias de Penny #1


As flores do meu jardim

Tudo foi tão claro quanto poderia ser. E eu, como sempre atrasada, fui a única a não perceber. Mimada, perdida em meus próprios pensamentos, esqueci que havia muito mais no mundo além de mim. E, de repente, meu belo jardim tornou-se murcho e ressequido.

Perguntei-me se não fora sempre assim: frio, monótono, superficial. E, se mais uma vez, eu só não reparara. Perguntei-me se toda aquela beleza não passara de tinta e perfume – enquanto, por dentro, permanecia seco. Então veio a chuva, sólida e decidida, e desmanchou a máscara. Mostrou o jardim tal como era, sem disfarces. Só assim a verdade me atingiu.

Sobressaltada, outra pergunta surgiu-me a mente: E se... E se tudo aquilo, toda a minha desatenção, não passara de cobiça? E se eu gastara meu tempo admirando um jardim alheio enquanto o meu, pobre e esquecido, carenciava de cuidados? E, desse modo, morria.

Entrei no jardim. No meu jardim. Tomei a coragem que, antes, a covardia arrancara-me e, assim, impedira-me de fazer algo, qualquer coisa, para salvar meu jardim, minhas plantas, minhas flores. Respirei e junto ao ar inalei a culpa. Se era assim que eu estava por dentro – como um jardim moribundo -, a culpa era minha. Era minha porque fora eu quem observara outro jardim, julgando-o mais belo e mais bonito que o meu e, desse modo, desejando-o para mim. Então, em minha cobiça, esquecera o que eu tinha em mãos. Aquilo – a cobiça -, fora me consumindo tanto, cada dia mais e mais, que me fez viver em função de desejos, ilusões e inveja, mas sem ação.

Hoje compreendo que a atitude certa a tomar era tentar recuperar o erro, buscar reconstruir o meu jardim. Mas, olhando em volta tudo o que vi foram flores mortas. Numa atitude súbita e inconseqüente, tomada do desespero, escondi-me. Estava envergonhada e ferida pelas minhas próprias mãos.

Fechei as portas do jardim e deixei que o sebo crescesse. Escondi-me atrás de mim mesma, jogada nos meus sentimentos mais sombrios. Esperei que alguém viesse me socorrer, mas eu estava só. E foi então que a triste verdade do mundo me atingiu, arrancando-me de uma vez por todas qualquer vestígio de sentimento, seja ele bom ou ruim.

O mundo girava sem mim. A vida prosseguia. Nos últimos tempos me tornara tão sombria, tão fechada, que meus antigos amores, minha família e meus amigos não derramaram mais que poucas lágrimas pelo meu isolamento. O luto não passara de alguns dias e logo eu fora esquecida. Trancada em meu jardim – dentro de mim.

Outro soco de percepção tomou-me o momento: Só eu poderia me ajudar. Só eu poderia trabalhar no meu jardim para que ele ganhasse vida novamente e que as pessoas viessem. Admirassem. Amassem.

Então, se porventura ele viesse a murchar de novo, repentinamente, elas viriam a perceber. Sentiriam falta da beleza que guardava. Tentariam resgatar.

Devagar, levantei e olhei em volta com mais atenção. Algumas flores ainda não murcharam. Algumas, essas, permaneceram intactas, tão belas e cheirosas quanto antes, perdidas no meio de montes de pétalas caídas. E caules pendentes.

Foi então que surgiu a primeira centelha de esperança. Assim mesmo, bem pequenininha. Mas estava ali, acesa.

Pus-me a trabalhar. Arranquei todas as flores mortas, reguei o solo, busquei a pá e as sementes. Demorou um tempo para reconstruir tudo, mas então eu consegui.

Apanhei todas as lágrimas que derramei e usei-as para redecorar algumas partes do jardim. Ficariam ali, como uma pequena lembrança do meu fracasso – e do meu recomeço.

A última lição que aprendi antes de reabrir as portas do jardim tenha sido, talvez, a mais importante: Na vida há sempre um recomeço.

É uma frase clichê, eu sei, mas naquele momento foi única. Foi quando realmente parei para prestar atenção nela. E era que verdade.

Sendo assim, arranquei o musgo e abri as portas. Não corri atrás de ninguém, não fiz propaganda. Esperei pacientemente que percebessem a mudança.

Afinal, como diz Mário Quintana: “O segredo não é correr atrás das borboletas, mas cuidar do jardim para que elas venham até você.”

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