terça-feira, 25 de março de 2014

O Acendedor de Luzes



A HISTÓRIA DO ACENDEDOR DE LUZES

Havia numa cidadezinha um homem quase invisível, que tinha por função acender todas as luzes da cidade. Seu nome era Zé.
Zé era pobre, muito pobrezinho, e morava numa casinha escura e bem escondida, sem energia e quase sem água, com muito pouca comida na despensa. Ele não era casado nem tinha filhos, e desde menino era órfão: vivia só.
Sim, a vida de Zé era sofrida, mas ele não tinha muito tempo para pensar sobre isso. Dia e noite percorria a cidade, levando a luz onde ela ainda não havia chegado, de modo que o único lugar onde não havia luz elétrica era a casinha de Zé, mas essa não precisava: o coração de seu único morador, que consigo carregava a luz do mundo inteiro, era suficiente para que ele enxergasse (e, como narradora, afirmo com propriedade que ele via melhor do que a maioria dos habitantes da cidadezinha por onde vivia).
Como, se você bem lembra, eu disse no comecinho da história, o homem (sim, Zé) do qual se tratava a história, era quase invisível – ninguém na cidadezinha conseguia enxergá-lo. Alguns dizem que isso se devia ao fato de Zé andar sempre no escuro, a fim de ali iluminar, mas eu penso que isso se devia muito mais ao fato dos habitantes daquela cidade não quererem enxergar, pois não prestavam atenção. Seja como for, se você perguntasse por Zé a resposta mais provável que escutaria ali seria “nunca ouvi falar”, a não ser por uma menininha que tinha uma frágil lembrança de um sonho onde um homem chamado Zé acendia as luzes de sua casa. Mas, infelizmente, não é hábito recorrente das pessoas grandes prestar atenção no que falam os pequeninos. Grande erro, eu diria, grande erro.
Mas, bem, voltando a nossa história, certo dia Zé consertava um lampião na rua cuja luz piscava quando um barulho lhe chamou atenção. Afastando alguns arbustos da calçada ele se pôs a espiar pela janela de uma casa e viu uma cena que fez seu coração se contrair e algumas lágrimas brotarem em seu rosto.
Dentro de um quarto aconchegante, todo decorado com desenhos cor de rosa e ursinhos, uma menininha chorava deitada em sua cama, um fino filete de sangue lhe escorrendo pelo nariz. “Mamãe, mamãe!” chamava ela, visivelmente assustada.
A mãe apareceu apressada e tinha os olhos inchados e cansados, como alguém que passara muitas noites acordados chorando. Um homem com cara de quem acabou de sair da cama apareceu atrás, bocejando. A mulher correu para a criança e, embalando-a em seus braços, a acalmava, enquanto com um lencinho que apanhara na cabeceira enxugava o nariz da menininha. O homem, apoiado na soleira da porta, chorava.
“Vai ficar tudo bem, meu amor, não foi nada, não foi nada” cantarolava a mãe, mas também chorava, e a julgar pelo brilho dos seus olhos, nem ela mesma acreditava nisso.
Zé permaneceu na janela até que a criança dormiu e ainda muito tempo depois, quando os pais, depois de conversarem e soluçarem baixinho, apoiando-se um no outro, foram finalmente se deitar.
O acendedor de luzes então esgueirou-se silenciosamente pela janela. Não tinha muita certeza que estava fazendo, nem nunca fizera isto antes, mas algo lhe dava a certeza que daria certo. Não era ele que fazia por si, mas algo dentro do seu coração que o atraía até ali.
Ao se aproximar da cama, fez algo que é difícil de descrever: foi como se pegasse um pouco daquela luz da qual seu coração era cheio e colocasse sobre o coração da menina, dentro dele.
A respiração da menininha melhorou instantaneamente e algo brilhou nela. Seu sono agora era tranqüilo e sua aparência, saudável. Nem preciso dizer que, pela manhã, seus pais tiveram uma agradável surpresa. E aquela casa já não era mais lugar de choro, rugas e noites mal dormidas. Não, era lugar de luz.
Quanto a Zé, ele mal conseguiu chegar em casa a pé. Deitou-se na cama e ali permaneceu por muito tempo.
Os dias foram passando e Zé piorava. Agonizava sozinho naquela cama na casinha, mas apesar do sofrimento, não era triste – a luz que habitava seu coração parecia ter se expandido quando ele a dividiu, e ela o mantinha aquecido e confortado, irradiando um calor que era difícil de explicar. Se Zé sabia disso? Desconfio que no fundo ele acreditava na existência dessa luz, mas por ora apenas a sentia. E ela lhe fazia companhia.
Seus últimos dias foram assim. Havia apenas uma vela ao lado da cama e um copo d’água. Zé passava a maior parte do tempo em um sono irrequieto, suando frio, acordando no meio da noite e não conseguindo mais dormir.

Mas quando, então, Zé fechou os olhos para não mais os abrir, todas as luzes que, um dia, ele havia acendido, juntaram-se, iluminando uma estrada que, sem sombra de dúvidas (e essa certeza de algum modo também se instaurou no coração de Zé, enchendo-o de alegria), o levaria para o seu “felizes para sempre”.
                                                                                           T. Neves

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