A VELHA BARREIRA
Era uma vez, um lugar muito, muito feliz. Nesse lugar todas as pessoas eram alegres, viviam em harmonia, e por lá só circulavam os ventos bons, porque fora criada uma barreira contra todo tipo de vento mal. Às vezes um ou outro conseguia passar por uma brechinha, mas logo os ventos bons se uniam e afastavam todo mau de lá.
Certo dia, as pessoas daquela cidade decidiram quebrar a velha barreira, pois ela já estava gasta e os ventos bons que circulavam por ali costumavam sem querer espalhar a poeira que emanava dela pela cidade. Ao ouvir isso, o vento da atenção ficou atento e decidiu avisar ao conselho dos ventos.
- Eles querem derrubar a barreira, senhor! – exclamou exasperado para o senhor dos ventos. – Isso deixaria a passagem livre para os ventos maus!
O senhor dos ventos – também conhecido por vento do amor - parou um pouco, pensativo. Um outro vento sugeriu:
- Por que não falamos com o conselho dos aldeões? Talvez possamos convencê-los de que seria melhor cuidar da velha barreira para que ela parasse de soltar poeira, ao invés de derrubá-la. Deve ser só uma gripe... Talvez se cuidassem melhor dela e dessem mais atenção ela melhorasse.
A sugestão foi aprovada e logo o conselho dos aldeões foi reunido com o conselho dos ventos. O senhor dos ventos, então, apresentou a sugestão e esperou uma sentença.
- Eu acho que deveríamos derrubá-la! – opinou um dos aldeões. – Daria muito trabalho ter que cuidar daquela barreira velha. Além disso, os ventos ruins nem mais nos assombram. Apenas os de menor porte – tais como a preguiça e a rabugem -, que são mais travessos, tentam se deslocar para dentro de vez em quando. Mas não acreditam que tragam grandes males. Os piores já devem ter nos esquecido...há muito não dão as caras.
Alguns outros aldeões concordaram e um dos ventos, o da coragem, cochichou baixinho para os ventos que estavam mais próximos de si:
- Não tenho tanta certeza de que a preguiça ainda não conseguiu entrar . Trabalho em demasia nunca foi problema por aqui.
O vento da certeza, ao ouvir seu nome, acrescentou:
- Para falar a verdade, de certeza a preguiça já conseguiu pôr a cabeça aqui dentro. Com ajuda da trapaça e da rabugem, enganou alguns aldeões e conseguiu convencê-los, com ajuda da mentira, de que não eram tão ruins assim. Eu tentei impedí-los, mas foram forte demais para mim.
Sendo assim, o veredicto foi anunciado:
- A velha barreira será derrubada! - bradou o mestre dos aldeões.
No dia seguinte, todos os aldeões se reuniram perto da barreira e disseram-lhe que seus serviços não eram mais necessários. Pediram gentilmente para que se retirasse, pois lhes estava incomodando e causando diversos incovenientes, além de que não tinham tempo de cuidar dela, pois precisavam de um certo tempo para lazer e cuidar dela tomar-lhes-ia um tempo absurdo devido a seu tamanho, que envolvia toda a cidade.
A velha barreira, então, muito triste, retirou-se de onde fora seu lar por muito tempo e recorreu em busca de uma cidade que cuidasse dela.
Mas acontece que os ventos ruins não estavam muito longe. A preguiça ficou assombrando furtivamente os aldeões, mas a desordem e o desespero foram buscar os outros ventos maus, a fim de bagunçar toda a cidade.
E logo a cidade estava infestada de ventos ruins. As pessoas não eram mais felizes e não sentiam mais nada de bom. Até mesmo as crianças, sempre tão alegres, não conseguiram permanecer na cidade e fugiram de casa, em busca da velha barreira. Precisavam de sua proteção!
Sem ela todos os ventos ruins assombravam a cidade quando lhes dava na cabeça e, toda vez que um dos ventos bons tentava passar por lá não podia ficar muito tempo e tardava a voltar, pois saia terrivelmente doente. O máximo que conseguia atravessar a cidade imunes eram os ventos bebês, os sopros. Mas estes eram obedientes e seus pais preocupados lhes pediam para não fazer isso com frequencia, pois mais cedo ou mais tarde poderiam pegar uma infecção.
Assim foi a vida na cidade por dez terrivelmente longos anos, de trevas e pavor.
Mas, em um dia em que as coisas pareciam estar especialmente ruins – devido ao aniversário do lorde dos ventos maus, o ódio – as crianças que fugiram de casa finalmente encontraram a velha barreira, fungando tristonha e solitária perto do mar. Ela lamentava-se, mas não culpava nem mantinha nenhuma espécie de mágoa por qualquer um que a expulsou da cidade. Apenas chorava.
As crianças demoraram um tempo para revigorar-lhe, rejuvenescer-lhe e elevar novamente sua autoestima, mas finalmente conseguiram. Naquele certo dia, do aniversário do lorde dos ventos, reuniram todos os ventos bons que haviam sido barrados da cidade e invadiram-na. Com a ajuda dos bons ventos, das crianças e alguns golpes da velha barreira, os ventos maus finalmente foram expulsos da cidade, dando lugar novamente aos ventos bons.
Os aldeões, felizes com a volta das crianças, da velha barreira e de todos os ventos do bem, pediram desculpas a velha barreira e se comprometeram a dar-lhe mais atenção e nunca mais deixar de cuidar dela. Assim a barreira nunca mais adoeceu e nenhuma espécie de vento nem meio ruim conseguiu voltar a se aproximar da cidade. E todos foram felizes para sempre.
MORAL I: É através de pequenas maldades que as grandes se infiltram.
MORAL II: É preciso cuidar do que nos faz sentir bem ( a velha barreira ) para que isso dure para sempre.
MORAL III: A perseverança ( demonstrada na busca das crianças pela velha barreira ) pode ser o que venha a nos revigorar.